25 anos do assassinato de Daniella Perez: o dia em que uma novela das oito foi além da ficção


Já se vão 25 anos do dia em que o Brasil parou para assistir, estarrecido, a notícia sobre a morte da atriz global Daniella Perez. No início da carreira, a jovem de 22 anos, filha da autora de novelas da TV Globo Glória Perez, foi morta com golpes de punhal depois de uma emboscada em um posto de combustíveis na avenida das Américas, na Barra da Tijuca, zona oeste do Rio de Janeiro. O corpo foi encontrado num terreno baldio na mesma região. Era 28 de dezembro de 1992.

Na delegacia, a mãe da atriz, o marido de Daniella, o ator Raul Gazolla, além de vários outros amigos e familiares, eram consolados pelo colega de trabalho da jovem, o ator Guilherme de Pádua. As investigações, no entanto, não demoraram a apontar os culpados pelo crime: o mesmo Guilherme de Pádua, que contracenava com a atriz na novela De corpo e Alma , no ar também na Globo, e sua esposa à época, Paula Thomaz. O ator foi levado a depor já no dia seguinte, depois de ser detido em seu apartamento, confessando a autoria.

Em uma série de depoimentos desencontrados e contraditórios à polícia, o então ator deu várias versões para o crime, ora dizendo da participação de Paula, ora inocentando-a. Uma das metas de Pádua foi sempre confundir a investigação, tentando provar que o crime não fora premeditado e que havia uma aura de passionalidade na história.

Pessoas próximas a Daniella Perez negam que houvesse qualquer proximidade entre os dois. Além dessa, todas as estratégias montadas pelo casal para tentar amenizar o caráter vil e torpe do crime – até mesmo a suposta premeditação - não foram suficientes para escaparem da prisão e da pena. Mesmo assim, o crime demorou nada menos que cinco anos para ser julgado.

O crime

Daniella Perez foi morta com 18 tesouradas no dia 28 de dezembro de 1992. O caso provocou imensa comoção nacional, já que a atriz vivia a personagem Yasmin na novela De Corpo e Alma , escrita por sua mãe, Glória Perez. Ela foi assassinada pelo ator Guilherme de Pádua e pela sua mulher na época, Paula Thomaz. O ator interpretava o personagem Bira, que era apaixonado por Yasmin na trama.

O crime aconteceu por volta das 21h30, logo após Daniella deixar os estúdios da TV Globo. Seu corpo foi encontrado no dia seguinte, em um matagal na Barra da Tijuca. Antes de confessar o crime, Guilherme procurou o marido da atriz, o ator Raul Gazolla, e Glória Perez para prestar solidariedade. Ele chegou a ser chamado de "grande amigo" pelo viúvo.
Após a confissão, cogitou-se que Guilherme estava confundindo ficção com realidade, que estaria apaixonado pela atriz e que os dois teriam um romance, rumor negado pelos colegas de elenco. O crime teria sido motivado por ciúmes que ameaçavam a vida conjugal do casal. Guilherme foi autor de ao menos 12 estocadas no peito da atriz, a maioria no peito e pulmão. Ela também recebeu golpes na traqueia, que a impediram de respirar. Paula tentou atingir Daniella com uma chave de fenda e foi quem buscou a tesoura usada no crime.

Os autores do crime

O mineiro Guilherme de Pádua estreou na televisão na novela De Corpo e Alma, a primeira e última da sua breve carreira. Anos antes da estreia, chegou ao Rio de Janeiro para tentar a carreira artística. Especula-se que trabalhou como michê, mas o fato sempre foi negado por ele.

Em janeiro de 1997, por cinco votos a dois do júri popular, Guilherme de Pádua foi condenado a 19 anos de cadeia. Paula Thomaz, sua mulher, também foi condenada no mesmo ano, tendo a sentença sido decretada em maio. Ela foi punida com 18 anos e meio de detenção, também por júri popular e placar de quatro votos a três. Como os dois estavam detidos desde o assassinato, ainda em 1992, cumpriram mais dois anos de cadeia e foram libertados em 1999.

A decisão da Justiça pela liberdade do casal tinha base legal. Não havia nenhuma chance de a decisão ser revista. Como o casal teve bom comportamento na cadeia e era primário (sem antecedentes), foi beneficiado com a chamada progressão da pena, conseguindo acertar as contas com a lei depois de cumprir um terço da sentença original.


Hoje soltos, Guilherme vive em Belo Horizonte e Paula mora no Rio, onde se casou novamente e teve dois filhos. Na época do crime, com apenas 19 anos, ela estava grávida de quatro meses e acabou tendo o bebê na cadeia. Guilherme e Paula se divorciaram durante o cumprimento da pena, quando ele mudou sua versão em definitivo, incluindo a mulher como co-autora do crime. O bebê foi adotado legalmente pelo atual marido de Paula, o advogado Sérgio Ricardo Rodrigues Peixoto.



A sentença de Guilherme foi proferida pelo juiz José Geraldo Antônio, depois de três exaustivos dias de julgamento. Na decisão, o juiz cita pontos da personalidade do ator. “O réu exteriorizou uma personalidade violenta, perversa e covarde, quando destruiu a vida de uma pessoa indefesa, sem nenhuma chance de escapar ao ataque de seu algoz, pois, além da desvantagem da força física, o fato se desenrolou em local onde jamais se ouviria o grito desesperador e agonizante da vítima. Demonstrou o réu ser uma pessoa inadaptada ao convívio social, por não vicejarem no seu espírito os sentimentos de amizade, generosidade e solidariedade, colocando acima de qualquer valor sua ambição pessoal”.

Mobilização reflete mudança na lei penal

Desde que Daniella Perez morreu, a mãe dela, a autora de novelas Glória Perez, não parou de lutar para que crimes como o que vitimou sua filha fossem punidos com rigor no Brasil. O caso acabou mobilizando todo o País. Foi quando a mãe de Daniella descobriu que o tipo de crime praticado pelo casal, o de homicídio qualificado, não era considerado hediondo pela lei brasileira.

A partir daí, Glória encampou uma grande campanha junto à sociedade civil para aprovar uma emenda de iniciativa popular. Nela, o crime do assassinato com o chamado qualificador seria finalmente transformado em hediondo. Para isso, foram recolhidas, num período de três meses, 1,3 milhão de assinaturas (300 mil a mais que o necessário) para endossar o projeto. A matéria foi então para o Congresso, sendo aprovada.

Na época, artistas, amigos e familiares participaram da investida. É a própria Glória Perez quem conta no seu blog: “foi uma campanha de mães, uma campanha encabeçada por mães que haviam perdido seus filhos: Jocélia Brandão (de Minas, mãe da Miriam Brandão), as mães de Acari, as vítimas de Vigário Geral, a Valéria Velasco, de Brasília, e tantas outras!”

A autora também relata o início da saga em seu blog na internet: “menos de 48 horas depois de ter assassinado Daniella, Guilherme de Pádua é solto por força de um habeas-corpus. Foi quando eu descobri que, de acordo com a legislação da época, matar não dava cadeia: os criminosos tinham direito de esperar, em liberdade, por um julgamento que podia ser adiado indefinidamente — bastava ter bons advogados, que soubessem explorar as brechas da lei e utilizar o número infinito de recursos para atrasar o andamento do processo.”


Mesmo com a aprovação da lei no Congresso, a maior rigidez nas punições garantida aos crimes hediondos, não foi estendida ao casal, pois a legislação não podia retroagir. De toda forma, a aprovação da emenda foi considerada uma conquista histórica. O advogado criminalista Breno Melaragno lembra que ser incluído na classificação de hediondo traz mais rigor ao crime de homicídio qualificado. “Isso dificulta a progressão e o livramento condicional fica mais rígido, por exemplo”, explica. Melaragno diz que a iniciativa foi histórica principalmente por ser muito raro conseguir uma mobilização do porte da que aconteceu. “Hoje, por exemplo, seriam necessários quase dois milhões de assinaturas. É uma vitória da sociedade, da defesa social, do Estado.”

Texto: Terra
                                                                         Fotos: Contigo e Google

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